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sexta-feira, 27 de julho de 2007

Cadeia Literária (3)

A Casa de Papel (La Maison de Papier)
Françoise Mallet-Joris

Mudámo-nos. Pauline fica desolada por perder o seu pequeno companheiro de brincadeiras, Pierre, que habita nas traseiras.
Pauline (mexendo as mãos com vivacidade) – Pierre! Meu Pierre! Meu adorado Pierre, Pierre bem amado! Morrerei!
Na minha cama, leio ou tento ler um manuscrito.
Eu – Pauline, tu és ridícula.
Pauline – Eu amo-o. Se o deixo, morreremos os dois!
Eu – Quem te deu essas ideias ridículas?
Pauline (perdendo toda a exaltação) – É a televisão. É muito má para as crianças.

Françoise Mallet-Joris, A Casa de Papel - tradução de Maria Helena Araújo, Livraria Civilização, 1974
Este livro chegou-me às mãos por puro acaso há muitos anos, numa feira de livros usados. Já velhote e decididamente gasto, senti uma vontade irresistível de lhe dar um novo lar e até hoje não me arrependo. Há alguns anos, comprei um exemplar mais moderno na sua língua original (o mesmo da capa que aqui apresento) mas a edição portuguesa, muito menos apelativa a nível estético e mais velhinha do que eu, é decididamente a mais amada.
A Casa de Papel é um trabalho autobiográfico da escritora francesa Françoise Mallet-Joris que, no final da década de 60, passou para escrito pequenos textos a descrever o seu dia-a-dia numa casa caótica que partilha com o marido pintor e os seus quatro filhos (Daniel, de 19 anos, o poeta; Vincent, de 14 anos, o filósofo; Alberte, de 11 anos, o anjo; e Pauline, de 9 anos, o demónio), para além de uma sucessão de animais de estimação, empregadas domésticas, professores de dança e visitantes ocasionais. No espírito da liberdade do período em que Françoise escreveu estes frescos, a sua casa é um local onde a desordem impera e onde as pessoas entram e saem quando querem, sem necessitarem de chave ou convite. Esta liberdade é tal que, a certa altura, Françoise vê um perfeito desconhecido entrar, usar a casa de banho e sair, como se tivesse entrado num café! E, claro, temos descrições aqui e ali sobre a experiência de viver em Paris durante o Maio de 68:
A Alberte toma nota das suas impressões acerca das barricadas: «Na escola disseram-me que os estudantes são maus, que fazem isso para meter medo às pessoas boas. Os meus pais não são dessa opinião. Tenho a certeza de que estão de boa fé, mas terão eles razão?»
Esta frase, que fez rir um amigo nosso, agradou-me pelo que contém de confiança e circunspecção. De certa maneira compensa os meus esforços para influenciar a sua capacidade de apreciação.
O que mais me agrada nesta obra é o modo fragmentado como ela foi escrita; em vez de uma narrativa sólida e una, temos pequenos fragmentos da vida desta família, ora em forma de conto, ora em diálogos (numa família em que estes são considerados como um factor imprescindível para o desenvolvimento dos filhos como seres humanos que pensam por si), ora em circunspecções da autora. Em muitos aspectos, ler A Casa de Papel é como ler um blogue - de tal modo que tenho a certeza que seria este o meio pelo qual Françoise Mallet-Joris o teria escrito nos dias de hoje.
Uma leitura doce e ternurenta, e um livro que estimo muito. Espero que um dia volte a ser editado por cá.

1 comentário:

maria elisa disse...

Vim só aqui dizer que és um amor. Obrigado pelas palavras.
:)